Arquitetura e pandemia: quais mudanças esperar?
Da noite para o dia, fomos abruptamente levados a uma vida mais doméstica e online. Como arquitetos, paramos um pouco para refletir. O que desta situação vai ficar e o que é passageiro? Quais valores emergem com a pandemia e vão guiar os novos produtos imobiliários e os nossos próximos desenhos arquitetônicos?
O exercício de prever o futuro é estimulante, mas arriscado. Sobretudo quando estamos mergulhados em uma situação peculiar como esta. Torna-se muito fácil distorcer o peso das coisas, projetando um futuro com forte viés. Vamos tentar evitar, então, imaginar um futuro moldado para a pandemia. Não vamos imaginar, por exemplo, uma arquitetura que propicie o isolamento. Pelo contrário, nos parece que as dificuldades desse afastamento só provam o quanto somos seres sociais e o quanto nossa arquitetura deve seguir fomentando o convívio.
Isto não quer dizer que não haverão mudanças. A pandemia é um fenômeno mundial que afetou todas as áreas e indústria - e não poderia ser diferente com a arquitetura e com a construção civil. Mas então, passado este momento agudo de reação, que tipo de transformações podemos esperar a longo prazo?
Entendemos que vão perdurar aquelas mudanças que já estavam em andamento. É bastante lógico pensar que as restrições pontuais vão esmorecer com o tempo, porém movimentos que foram acelerados não vão voltar aos patamares anteriores. Elencamos abaixo algumas tendências que devem permanecer em maior ou menor grau, passado o período que vivemos.
Design biofílico: contato com a natureza
O Design Biofílico ficou mais conhecido no nosso meio quando, em 2005, o conceito da biofilia foi trazido ao design e à arquitetura pelo ecologista americano Stephen Kellert como “a necessidade de manter, melhorar e restaurar a experiência benéfica da natureza no ambiente construído”. Estratégia utilizada para criar e transformar espaços por meio da proximidade com a natureza e de elementos naturais, o Design Biofílico tem como principal objetivo melhorar a saúde e o bem-estar dos usuários.
É uma forma nova de enxergar uma busca que, via de regra, os arquitetos já perseguem há algum tempo. É quase intuitivo que os estímulos sensoriais causados por uma paisagem natural - como a luz, o vento, a vegetação - nos agradem mais do que os estímulos de uma vista urbana cinza e árida. Na pandemia, os moradores passaram a valorizar mais áreas verdes e mais fruição da casa, do apartamento, ou mesmo das áreas comuns dos edifícios. O fato é que, além da presença de vegetação nos espaços construídos, precisamos pensar em revestimentos, texturas e tecnologias que ampliem e melhorem o conforto ambiental, visual e sensorial dos moradores.
Home Office
A expectativa é que aquelas pessoas e empresas que estão tendo maior sucesso na execução do seu trabalho de forma remota devam incorporar modificações permanentes em sua rotina em um mundo pós pandemia. Em pesquisa da Cushman & Wakefield, cerca de 75% dos executivos de multinacionais no Brasil responderam que suas empresas irão manter alguma forma de trabalho remoto após o surto da Covid-19. O espaço de trabalho, que já vinha passando por transformações, começa a ser repensado de forma mais abrangente. Se estamos conseguindo desempenhar bem o trabalho em casa, porque precisaremos de nossos espaços profissionais? Acreditamos que nossos escritórios ficarão mais voltados aos encontros e à convivência, com menos e mais flexíveis estações de trabalho, e configurações de espaços que facilitem interações entre colegas, parceiros e clientes.
Sustentabilidade: vida mais simples e econômica
A pandemia trouxe um reflexo imediato na diminuição da renda, e acreditamos na tendência de as pessoas seguirem sendo mais conservadoras nos gastos do dia-a-dia, visto que ficou mais clara a necessidade de uma reserva financeira significativa para situações especiais como a que estamos vivendo. Nesse contexto, é propício pensar em quais tecnologias e estratégias construtivas podem ser adotadas visando um consumo menor de recursos, contribuindo para edifícios mais sustentáveis nas esferas econômica e ambiental.
Pontos de venda
O varejo também teve seu processo de migração para o digital acelerado de forma brusca. Com o isolamento social e a necessidade de manter estabelecimentos comerciais fechados, o e-commerce e o delivery ganharam mais força do que nunca. Não vislumbramos um retrocesso significativo deste movimento após a passagem da pandemia, pois há claras vantagens no comércio virtual. Um movimento que já estava acontecendo e certamente será acelerado é o de as lojas passarem por uma transformação conceitual, se tornando lugares voltados a experiências que não são possíveis no mundo digital. Nossas moradias também terão que se atualizar a esta nova forma de consumir, agregando estruturas para o recebimento de nossas compras, guarda-entregas ou mesmo elevadores específicos.
Prever o futuro da arquitetura é difícil, e tentarmos entender como ela de fato funcionará após o término da pandemia é ainda mais complicado. Entendemos que nós, arquitetos, devemos estar à frente das mudanças e ser propositivos. Para isso, temos que estar atentos e sensíveis ao que acontece no mundo real, no dia-a-dia das pessoas, e propor espaços focados nos usuários.